A Proposta de Lei nº 86/XIII, que se encontra em discussão na Assembleia da República, visa alterar a Lei 23/2007, de 4 de Julho (na redacção dada pelas Leis 29/2012, de 9 de Agosto, 56/2015, de 23 de Junho, e 63/2015, de 30 de Junho), que aprova o regime da entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional e transpõe para o ordenamento jurídico nacional um conjunto de directivas europeias relativas à regulação da imigração proveniente de países terceiros.
A Lei 23/2007, de 4 de Julho, traçou um quadro jurídico que, sem deixar de nos suscitar algumas discordâncias, apresentava um conjunto de aspectos positivos relacionados com o favorecimento da integração de trabalhadores estrangeiros, como é o caso da simplificação e alargamento das autorizações da residência para exercício de actividade profissional e dos mecanismos do reagrupamento familiar e da abertura da possibilidade de regularização de algumas situações de trabalhadores indocumentados, nomeadamente através da intervenção dos sindicatos na comprovação da existência de relações laborais efectivas.
Em conjunto com a aplicação dos primeiros planos para a integração de imigrantes, o período inicial de vigência desta lei permitiu assim alguma estabilização da situação laboral e familiar dos trabalhadores imigrantes no nosso pais e alguns progressos ao nível das políticas de acolhimento e integração.
Porém, a partir de 2007-2008, com o eclodir da crise económico-financeira e a implementação na União Europeia de políticas de austeridade e de medidas securitárias, invocando-se o “combate ao terrorismo” e, por outro, com o afluxo cada vez maior de cidadãos provenientes de países terceiros às fronteiras europeias, esta Lei passou a estar sob grande pressão nomeadamente das instâncias da UE.
De facto, apesar de não haver uma política de imigração comum e de a fixação das condições de entrada e residência de cidadãos provenientes de países terceiros no território de cada um dos Estados membros, inclusive para o exercício de actividade laboral, permanecer uma competência exclusiva desses Estados, a verdade é que as instâncias comunitárias emitiram um conjunto crescente de normas jurídicas, sob a forma de directivas, que pretendem regular de modo uniforme alguns aspectos da entrada, residência, saída e afastamento de cidadãos de países terceiros do espaço da União Europeia.
Estas directivas comunitárias reflectem uma nova abordagem à política de imigração, muito restritiva e orientada para o apoio a uma imigração selectiva e circular, em que o objectivo prioritário é o combate à imigração ilegal numa perspectiva securitária, centrada na pura e simples expulsão dos cidadãos nesta situação, e em que os programas de regularização dos cidadãos indocumentados são desencorajados. Simultaneamente, privilegia-se a criação de estatutos especiais para categorias determinadas de imigrantes em função das necessidades económicas e do mercado de trabalho dos Estados membros.
Assim, todas alterações introduzidas desde 2012 à Lei 23/2007, de 4 de Julho, tiveram como objectivo integrar estas tendências comunitárias em matéria de imigração, determinando uma alteração bastante significativa das políticas nacionais.
A presente proposta insere-se nesta linha, sendo particularmente expressiva da tendência para a criação de novos estatutos para categorias específicas de trabalhadores, designadamente os trabalhadores sazonais e os trabalhadores transferidos dentro da empresa para o território de um Estado membro.
Para além desta orientação emanada da União Europeia, as alterações preconizadas reflectem uma outra tendência, esta relacionada com a atracção de investimento estrangeiro, manifestada na intenção de utilizar este regime que regula a imigração para atrair capital e empresas estrangeiras, criando regimes especiais crescentemente mais favoráveis para quem queira investir no nosso país, sem grande preocupação com o tipo de investimento em causa ou com a origem dos capitais envolvidos. O regime de vistos para investimento (os chamados “vistos gold”) é, nos termos desta Proposta, consideravelmente alargado e facilitado. Para além deste, cria-se também um outro regime especial – o regime especial para deslocalização de empresas que facilita a entrada e permanência de titulares, administradores e trabalhadores de empresas que pretendam instalar-se em Portugal, sem grandes critérios quanto ao tipo de empresas, sectores de actividade, eventual criação de postos de trabalho, etc.
O que resulta desta regulação compartimentada de vários tipos de imigração, em particular no que respeita aos que pretendem exercer uma actividade profissional e que já se encontram classificados de acordo com diversas categorias (trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes, empreendedores, investigadores, trabalhadores altamente qualificados, trabalhadores sazonais, trabalhadores transferidos dentro da empresa, etc.), é uma grande diversidade de estatutos, conduzindo inevitavelmente à existência de imigrantes de 1ª e de 2ª classes e a discriminações inaceitáveis do ponto de vista social e económico.
Na realidade, os trabalhadores mais indiferenciados ou menos qualificados que imigram essencialmente por razões económicas em busca de melhores condições de vida e de trabalho estão a ser relegados para uma imigração temporária de curta ou muito curta duração, conforme as necessidades de determinados sectores da economia e as flutuações do mercado de trabalho, ou empurrados para situações de irregularidade à falta de soluções que lhes permitam obter títulos de permanência mais duradouros,
Assim, os novos tipos de vistos para trabalho sazonal potenciam a exploração laboral dos trabalhadores imigrantes, na medida em que incentivam a “importação” temporária de contingentes de mão de obra barata e praticamente sem direitos, proveniente de países em situação de pobreza extrema e como tal predispostos a aceitar condições de trabalho muito abaixo dos padrões vigentes no nosso país. Simultaneamente este tipo de contratação e de exploração funciona como instrumento de dumping social, pressionando para baixo os salários e as condições de trabalho de todos os trabalhadores.
Também o regime especial para a deslocalização de empresas criado nos termos desta Proposta parece especialmente apto a promover uma forma de dumping social, tendo em conta que este regime se vai aplicar não apenas aos titulares e administradores da empresa, mas também aos seus trabalhadores, o que aponta para a possibilidade de a empresa vir instalar-se em território nacional trazendo os seus próprios trabalhadores, previsivelmente com salários e condições de trabalho muito abaixo dos que vigoram no país.
Por tudo isto, a CGTP-IN condena veementemente a orientação da política de imigração que esta Proposta de alteração reflecte, considerando-a incompatível, não só com uma visão humanista e integradora dos cidadãos que procuram o nosso pais em busca de melhores condições de vida e de trabalho, como também com os princípios e direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na nossa Constituição.
Para a CGTP-IN, só a igualdade de direitos de todos os trabalhadores, independentemente da sua nacionalidade ou país de origem e do seu titulo de residência em território nacional, é susceptível de contribuir para pôr termo à exploração laboral a que são sujeitos os trabalhadores imigrantes, em especial aqueles que dispõem de vistos de curta duração e vínculos precários, combater de modo eficaz a imigração clandestina e as redes de tráfico de mão de obra, evitar a degradação das condições de trabalho e dos salários de todos os trabalhadores, imigrantes e nacionais, e em geral eliminar todas as práticas de dumping social.