Começo por agradecer a presença de todos, em particular dos nossos convidados, que muito contribuíram para o nosso debate e a nossa reflexão e para o sucesso desta iniciativa.
Caros convidados, camaradas,
Vivemos um contexto único, em que se agravam as condições de trabalho, se atacam as retribuições, cresce o desemprego e alastra a pobreza. Os trabalhadores e o povo estão confrontados com uma situação impulsionada pelo acumulado de décadas de política de direita, de precariedade, de destruição do aparelho produtivo, com uma crescente dependência face ao exterior e de um modelo assente nos baixos salários, que o governo PS insiste, no essencial, em perpetuar, sem prejuízo da reposição de direitos e da limitada conquista de direitos que marcou a última legislatura.
É neste quadro, aprofundado pelo surto epidémico, pelas medidas sanitárias e pelas opções económicas e sociais, que não garantem o emprego e os salários, do Governo do PS, que se insere o debate sobre os dois temas que hoje aqui abordámos e que não pode ser desligado de uma análise mais geral da evolução das relações de trabalho no nosso país e no mundo.
Realizámos este Debate para aprofundar a Automação e Teletrabalho, não por não termos posições sobre estas matérias, mas para as actualizarmos, face ao momento que vivemos e, assim, informarmos, organizarmos e mobilizarmos os trabalhadores para a defesa dos seus direitos e interesses.
Ao longo de todo o dia fomos constatando, nas suas diversas abordagens, algumas das inúmeras formas pelas quais a tecnologia e o desenvolvimento tecnológico influem na relação de trabalho e na vida dos trabalhadores.
Existe, contudo, um aspecto em comum em todas estas abordagens: todas elas se referem a processos que visam aprofundar a exploração do trabalho, a intensificação dos ritmos de trabalho e o incremento do lucro, já que, com todos os avanços científicos e técnicos, efectivamente não se alteraram as relações de produção.
A posição da CGTP-IN sobre o desenvolvimento tecnológico é muito clara, seja esta sob a forma de automação, digitalização ou aposta na inteligência artificial: a tecnologia, em si fruto do trabalho, deve ser colocada ao serviço dos trabalhadores e das suas condições de vida e de trabalho, ao serviço do desenvolvimento soberano do país, dando um contributo para a promoção da coesão social e territorial.
Neste campo muito persiste por fazer: à maior capacidade de produção de um mesmo bem em menos tempo e com menores custos, deve corresponder uma redução do período normal de trabalho, o aumento geral dos salários, a menor sujeição dos trabalhadores ao trabalho por turnos, o afastamento dos trabalhos penosos e com maior risco para os trabalhadores, o reforço das qualificações e da formação profissional, a melhoria das condições de vida e mais tempo para o lazer, para a cultura, para a família.
A tecnologia deve servir para fazer avançar a sociedade e não para a fazer retroceder. Quando nos apresentam a chamada “uberização” da economia como algo de inevitável, moderno e sofisticado, devemos contrapor com a imagem do jovem que, numa bicicleta ou trotineta, anda com uma mochila carregada de refeições, nas subidas e descidas das cidades, sem as mínimas condições de segurança, a maioria dos quais sem contrato de trabalho nem a garantia dos direitos, e se “esfalfam“ para ganhar dois euros.
Mas este é apenas um exemplo que todos podem visionar directamente, um exemplo extremo de degradação da relação de trabalho a troco de quase nada. Mas a este exemplo podem adicionar-se o trabalho à peça, o trabalho à tarefa (tasking), o trabalho à hora, ao dia ou à empreitada. Todas actividades, que quem as presta não usufrui de limites de tempo de trabalho, de regras sobre salário mínimo, férias, direitos sindicais e segurança e saúde no trabalho. E no final, ao contrário do maravilhoso mundo dos “empreendedores” individuais e independentes com que apresentam a economia digital e on-line, o que temos é uma selva sem regras em que, como em todas as selvas, são os mais fortes que prosperam à custa do definhamento dos mais fracos.
Mas, se isto caracteriza o trabalho que tem por base as plataformas digitais, o que dizer de um sem número de sectores que estão a ser atingidos pela intensificação dos ritmos de trabalho. Nos “callcenters” temos uma indústria de trituração de seres humanos, ultra monitorizados, ultra pressionados e sempre à beira do esgotamento psicológico e físico. A esta instabilidade, adicionamos a precariedade, a desregulação dos horários e os baixos salários.
Na distribuição, logística, transportes, autoestradas, correios, telecomunicações, indústria automóvel, a introdução de novas tecnologias, ao invés de servir para aumentar os salários e reduzir os horários, serve para despedir e destruir postos de trabalho, sem que sequer se faça um esforço de qualificação desses trabalhadores e uma adaptação das suas competências às novas necessidades.
No momento actual da história do capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas, com a introdução de tecnologias, combinada com as capacidades da força de trabalho, atingiu um nível que, ao invés de potenciar o crescimento, constitui-se hoje como um entrave ao progresso. No quadro da sua crise estrutural, o capital procura, como sempre fez, na introdução de novos métodos e técnicas, a forma de manter e aumentar a rentabilidade e a acumulação de riqueza.
Neste contexto, a dinamização da luta é determinante, num período em que, novamente, a tecnologia é usada como arma de chantagem e ameaça sobre os trabalhadores. Agora como sempre, os sindicatos são fundamentais para contrariar a tendência de individualização crescente na relação de trabalho.
E é no quadro desta individualização crescente, “do empreendedorismo”, da “resiliência” e da “colaboração”, que devemos situar o teletrabalho. Desengane-se quem considera que o teletrabalho vem resolver problemas de conciliação entre o trabalho, a vida pessoal e a família.
Ao contrário, o teletrabalho vem agravar e instaurar a “confusão entre trabalho, vida pessoal, família e privacidade do trabalhador”.
Com o teletrabalho, o que um trabalhador ganha em tempo com as deslocações que deixa de ter de fazer, perde em privacidade, em independência e em liberdade. O teletrabalho significa a porta de casa escancarada à entrada da entidade patronal na casa dos trabalhadores, seja virtual, seja mesmo fisicamente. O seu espaço doméstico passa a ser dividido com o trabalho, com o poder de direcção da entidade patronal, com todos os efeitos negativos da relação e trabalho.
Mas significa também o isolamento, a individualização, a incapacidade para articular o seu trabalho com o dos outros trabalhadores, a maior sujeição aos esquemas de manipulação das entidades patronais, o desrespeito pelos limites e organização do tempo de trabalho, pelas normas de saúde e segurança no trabalho, a muito maior dificuldade em se sindicalizar, participar na sua organização de classe, mobilizar-se para exigir os seus direitos e melhores condições de vida e de trabalho, fazer greve ou participar em acções de luta.
A tudo isto acresce uma poupança nada despicienda para as entidades patronais, em imóveis, equipamentos, segurança e saúde, energia e comunicações. Tudo colocado sobre o trabalhador, reduzindo a sua já por regra baixa remuneração.
Um trabalhador isolado é sempre um trabalhador mais sujeito à exploração desenfreada e aos abusos de poder. E é por isso que o teletrabalho é tão aliciante para muitas entidades patronais.
É hora, portanto, de colocar um fim à ilusão do trabalho a partir do domicílio, que não deve ser confundido com o trabalho prestado com auxílio das tecnologias de informação e comunicação - relação que está na base do conceito de “teletrabalho”.
Um conceito que, tal como hoje vimos, não é novo. Aquilo que é novidade é o surto epidémico e o aproveitamento pelo capital desta “dádiva da crise”, para generalizar o teletrabalho, num quadro de intensificação da “exploração cognitiva” que tem um potencial de impactos na saúde mental dos trabalhadores que vai do “stress” ao esgotamento, passando ainda por todos os nefastos efeitos do isolamento físico, social e laboral.
Como em todas as situações, para a CGTP-IN, o que é decisivo é se a mudança melhora as condições dos trabalhadores. E nesta matéria, os sindicatos, a CGTP-IN, têm um papel importantíssimo a desempenhar, agora, como durante estes 50 anos que cumprimos no dia 1 de Outubro, na consciencialização, na mobilização, informação e esclarecimento dos trabalhadores.
Mas também em sede de negociação colectiva muito há a conquistar, para que se coloque um fim a todo um ambiente de desregulação laboral que está associado ao desenvolvimento tecnológico.
É no âmbito desta contradição profunda, ideológica, que se estabelece entre quem quer usar a tecnologia para precarizar, desregular, flexibilizar e explorar e os que querem que os avanços tecnológicos sejam utilizados ao serviço de quem os promove, de quem os fabrica e de quem os descobre – os trabalhadores – que se recria a luta ancestral dos trabalhadores pela sua emancipação.
Uma luta que nos dias hoje passa pela afirmação das reivindicações que aprovámos no XIV Congresso: o aumento geral dos salários e do SMN; a redução gradual dos horários de trabalho para as 35 horas semanais; a revogação das normas gravosas da legislação laboral; a promoção do emprego com direitos; o investimento nos serviços públicos.
Uma luta que exige a unidade de todos os trabalhadores, o reforço da nossa intervenção, a intensificação da nossa acção e a presença nos locais de trabalho. Esclarecer as potencialidades da nossa proposta, do seu alcance numa época que conta com meios de produção com uma sofisticação ímpar e uma força de trabalho cada vez melhor preparada.
Esclarecer e combater a ofensiva em curso, apoiada por uma intensa campanha ideológica, que assume formas diversificadas: das ameaças de generalização do teletrabalho, conjugadas com outras como o denominado direito a desligar, que mais não é que um atropelo e a violação do horário de trabalho fixado, ou ainda, a utilização abusiva de vínculos laborais precários para ocupar postos de trabalho permanentes que a legislação laboral recentemente aprovada pelo PS continua a legitimar.
Este nosso Debate não pretende aprovar orientações, mas foi um muito rico contributo para a análise e caracterização da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, nomeadamente com o aproveitamento dos avanços científicos e técnicos, para aumentar a exploração e deixou-nos um vasto conjunto de ideias, muita informação epropostas para a nossa acção, intervenção e luta e para apurarmos as nossas reivindicações, conscientes que só a luta organizada, o reforço do movimento sindical unitário, da CGTP-IN, com o sucesso da campanha de sindicalização que temos em marcha, permitirá avançar nos direitos e construir uma sociedade mais justa, mais sustentável e mais desenvolvida.
Lisboa, 16.07.2020