O processo negocial e as conclusões do Conselho Europeu de 17 a 21 de Julho sobre o «Plano de Recuperação Europeu» - também chamado Next Generation EU - e o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, não legitimam os discursos de vitória do Governo, do Presidente da República, entre outros, os quais procuram iludir a sua submissão aos interesses do grande capital e às posições hostis e discriminatórias das grandes potências e de outros países beneficiários do processo de integração europeu – relembre-se o “roubo” de receita fiscal por parte da Holanda por albergar a sede de empresas que realizam os seus lucros e dividendos no nosso país.
Sem subestimar os montantes em causa, nem o potencial que o seu uso ao serviço dos trabalhadores e do país poderiam ter, a CGTP-IN chama a atenção para o corte nas verbas a receber por Portugal durante o próximo QFP, nomeadamente nas políticas de coesão e agrícola - que se somam às perdas acumuladas nos dois QFP -, ao mesmo tempo que é aumentada a contribuição nacional para o Orçamento da UE, incluindo para compensar a diminuição das contribuições de alguns dos países que mais beneficiam com o mercado único, as políticas comuns e o Euro – casos da Alemanha, Holanda, Suécia, Dinamarca, Áustria.
A CGTP-IN chama a atenção para a injustiça deste processo, que de forma nenhuma é compensado por via do «Plano de Recuperação Europeu», um instrumento para a concessão de empréstimos, que subiram 110 mil milhões de Euros, enquanto as subvenções foram reduzidas nesse mesmo valor, verbas que, em qualquer dos casos, nunca chegarão aos países antes de 2021 e que Portugal terá de reembolsar ou irá perder mais à frente, por via do corte de verbas a receber em futuros orçamentos da UE -, associado a um processo antidemocrático de imposição de «condicionalidades».
As «condicionalidades» políticas e económicas para o uso das verbas provenientes do Plano de Recuperação Europeu e do QFP acarretam uma ainda maior centralização do poder político e da tutela da Comissão Europeia e/ou do Conselho Europeu sobre as decisões nacionais. O federalismo e o neoliberalismo dão assim as mãos para, independentemente da vontade dos povos, tentarem impor como «condicionalidade» o regresso às políticas de cortes de direitos e rendimentos, de desmantelamento ou privatização dos serviços públicos, das funções sociais do Estado e das empresas públicas, com mais parcerias público-privadas e com injeção de fundos públicos na banca.
Uma política de ruína que sacrifica a produção nacional e o emprego, ao mesmo tempo que impulsiona o endividamento dos Estados – quando o Pacto de Estabilidade e o Tratado Orçamental não estão suspensos e a esses espartilhos deverão voltar –, já que à componente de empréstimos do «Fundo de Recuperação Europeu», a UE soma o impulso para que os Estados recorram ao SURE, “empréstimos” para o lay-off, e ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, “empréstimos” aos Estados, além da dívida contraída junto da banca.
A CGTP-IN considera que as verbas a receber por Portugal a partir do «Fundo de Recuperação Europeu» e do QFP devem ser associadas a medidas nacionais de desenvolvimento da produção e à manutenção e criação de emprego com direitos, a partir dos interesses e opções definidos pelo próprio País, incluindo uma verdadeira justiça fiscal para uma mais justa repartição da riqueza – recusando a perda de soberania no plano fiscal a que as decisões no âmbito dos «recursos próprios» da UE podem estar associadas.
A situação do país exige respostas urgentes. Todos os esforços nacionais e da UE devem ser concentrados em assegurar a totalidade dos salários, a proteção da saúde dos trabalhadores e a defesa do emprego e dos postos de trabalho; o reforço da qualificação e formação profissional; a garantia da estabilidade dos vínculos de trabalho e um verdadeiro combate à precariedade e ao desemprego; o aumento geral dos salários (também para dinamizar a procura interna), com a efectivação do direito de contratação colectiva, valorizando o trabalho e os trabalhadores.
A superação dos problemas actuais e o desenvolvimento do país exigem a valorização do trabalho e dos trabalhadores e a concretização de uma outra política, uma política de esquerda e soberana que tenha como eixos principais: o início de um processo de renegociação da dívida pública nos seus prazos, montantes e juros; um caminho de recuperação da soberania monetária e orçamental; dar prioridade ao investimento público e à dinamização e aumento da produção nacional, apostando na produção e consumo locais, com maiores benefícios para o ambiente e para a manutenção e criação de emprego com direitos; valorizar os serviços públicos e funções sociais do Estado, combater a pobreza, as desigualdades e as injustiças sociais.
Lisboa, 27 de Julho de 2020